Posso utilizar pneus de carro na moto? Quais são os riscos e vantagens?

Uma das grandes dúvidas e controvérsias em torno das motocicletas, principalmente as customizadas, diz respeito ao uso de pneus de tamanhos diferentes dos originais, como o uso de componentes automotivos nas motocicletas.

É uma prática comum em muitos modelos, das pequenas Suzuki Intruder 125 às grandes, como algumas Harley-Davidson, passando por médias como Honda Shadow VT 600 e Yamaha Virago XV 535. Mas até que ponto essa troca compensa na equação que tenta equilibrar redução de custo, durabilidade e segurança?

Para responder a essa pergunta e esclarecer outros aspectos, falamos com especialistas da Pirelli e da Honda, duas gigantes em suas respectivas áreas – uma fabrica pneus e a outra, motos. E que têm muita sinergia, já que uma é fornecedora da outra.

Primeiro, é sempre bom destacar que um determinado pneu é escolhido para equipar uma determinada moto e isso leva em conta vários critérios, como tipo de moto, uso, peso, potência e, claro, custo. A escolha é feita ao longo do desenvolvimento do projeto da moto, e o pneu selecionado é o que vai proporcionar a melhor performance  com a máxima durabilidade proporcional e com o menor desgaste das peças periféricas – rodas, relação e freios, por exemplo – com manutenção do nível de segurança adequado.

“As principais preocupações são atender o conceito de uso conforme a proposta do projeto, tendo como premissa o equilíbrio do conjunto ciclístico da motocicleta (pneus, suspensão e chassi). Outros pontos levados em consideração são a performance na frenagem, o ruído na rodagem (em atendimento a um requisito legal), a vida útil do pneu quanto à deterioração e até mesmo consumo de combustível”, explica Alfredo Guedes, Supervisor de Relações Públicas da Honda, com suporte da engenharia da fábrica de Manaus.

Quando se muda a medida do pneu usado na moto – ou mesmo o seu tipo, por outro mais liso ou mais cravudo -, todo esse “equilíbrio” é alterado. Usar um pneu mais largo em uma moto pequena, por exemplo, fatalmente exigirá mais da relação, dos freios e também do motor, que fará mais força para carregar aquele peso extra. Por tabela, o consumo de combustível poderá aumentar.

Já aplicar um pneu de uso misto ou trail em uma moto projetada para uso urbano ou estradeiro, onde um componente mais street é mais adequado, pode implicar em menor aderência – e vice-versa. Poderá dar certo? Sim, poderá. Dependerá também, e fundamentalmente, do tipo de  “tocada” do piloto e das condições de rodagem que se encontrará pela frente. Mas a performance entregue pela moto sempre será diferente da original.

Para o Coordenador de Marketing de Moto da Pirelli para América Latina, Nathan Baranauskas, no fim das contas não há vantagens.

“Mudar o pneu afeta toda a ciclística da moto e pode gerar inúmeros problemas, da simples perda de conforto a outros mais complicados e que poderão afetar a segurança do motociclista, como vibrações, desgaste irregular do pneu e perda de agilidade. A regra básica é sempre seguir as dimensões recomendadas no manual da moto. Essa regra só não vale para motos de competição ou de customização, que são completamente revisadas e modificadas. Nelas, torna-se necessário modificar as medidas originais dos pneus para acompanhar essas outras mudanças.”

Vale lembrar, também, que o desenvolvimento de um pneu envolve muitos testes. Na Pirelli, há os quantitativos, que são medidos e acompanhados por instrumentos e analisam velocidade máxima suportada, resistência (horas e quilômetros rodados) e perfuração de carcaça, entre outros. Já os qualitativos são realizados na pista, dependem da percepção do piloto e verificam conforto, desempenho em pista molhada, nível de aderência em diversas condições e agilidade, entre outros. Usar um pneu de forma diferente daquela para a qual ele foi projetado é desprezar esses parâmetros.

“Qualquer alteração de medida ou característica do pneu homologado pode provocar perdas de desempenho, dirigibilidade e durabilidade, aumento de consumo e até mesmo comprometer a segurança da motocicleta. Com pneus de medidas diferentes da homologação não é possível garantir o mesmo desempenho em todos os aspectos”, avisa Alfredo Guedes, Supervisor de Relações Públicas da Honda.

E o pneu de carro?

Já a questão mais polêmica, o uso de pneu de carro na moto, pede outra abordagem. Primeiro, é importante lembrar que pneus de carro e de moto têm formatos e construções diferentes. Enquanto o pneu de carro é mais quadrado, duro e tem sulcos mais retos e o mesmo composto em toda a sua estrutura, os de moto são arredondados, mais macios e têm sulcos variados – e, de acordo com o modelo, até três compostos, e podem ser mais macios nas laterais (os chamados “ombros”) e mais duros no meio, por exemplo.

Essas características distintas fazem enorme diferença no comportamento da moto. Poderá dar certo? Sim, poderá. Muita gente usou e usa, e segue a vida. É o caso do analista de T.I. Daniel Nascimento, de 36 anos. Dono de uma Harley-Davidson FX, ele trocou o pneu original 200/55 R17 por um de carro, com medidas 205/55 R17 – ou seja, quase igual, só que “quadrado”. O motivo principal: o pneu de carro custa menos da metade (R$ 400, contra R$ 1.200, em média) e dura o dobro (cerca de 40 mil km, contra 20 mil km, no máximo). Nascimento relata o aprendizado:”Como eu sabia que teria menos contato do pneu com o asfalto, escolhi um modelo de alto “grip” (aderência). No início, estranhei. Mas esperei para ver se me acostumaria, o que de fato aconteceu. Foi importante achar a calibragem ideal. Hoje me sinto muito seguro e não voltaria para um pneu de moto. Também acho que fica esteticamente legal, agressivo e bonito”, explica.

A mesma razão levou o comerciante Junior Cardoso, de 29 anos, a usar pneus de carro em várias motos custom que teve, e com as quais inclusive fez viagens longas (do interior de Minas Gerais ao Sul do país, entre outras). Atualmente não usa pneu de carro na moto, mas lembra bem da experiência:

“Eu já tinha visto em outras motos, então resolvi experimentar. Assusta no começo: a moto parece não querer ficar em pé, e na reta não copia tão bem o asfalto. Mas nas curvas, na estrada, e principalmente com garupa, sentia a moto até mais firme. Uma dica é dar tempo ao tempo: aos poucos, as quinas vão gastando e o pneu vai arredondando. Com menos de 5.000 quilômetros rodados você já anda como se estivesse com um pneu de moto comum. Nunca tive problemas e usaria novamente”, afirma.

Mas nem todos ficaram satisfeitos. O analista de banco de dados Felipe Cabral de Silva, de 34 anos, experimentou em duas motos diferentes, uma Fat Boy e uma Softail Standard, ambas com pneu 205/55 R17. Não aprovou totalmente:

“Em ambiente urbano, em baixa velocidade, achei muito ruim e perigoso: a moto joga para os lados e não copia o asfalto fielmente. Em rodovias, em velocidade mais alta e com boa pavimentação, foi melhor. Pode ser uma opção para quem vai fazer viagem muito longa, pela durabilidade e robustez, mas não proporciona a mesma performance segura que um pneu original”, analisa.

Nathan Baranauskas, Coordenador de Marketing de Moto da Pirelli para América Latina, é enfático em reprovar essa prática.

“Não há nenhuma razão técnica para esse tipo de uso. São pneus feitos para trabalhar de maneiras completamente diferentes, a começar pelo ponto de apoio e a maneira como fazem curvas, pois há uma dinâmica muito distinta entre carro e moto. Existe o risco de segurança, de detalonamento do pneu e de desempenho ruim em curvas. É uma prática não recomendada nem para fins de customização”, alerta Baranauskas.

Experiência própria e conclusão

Eu não poderia abordar o uso de pneus de medidas diferentes ou de pneu de carro em moto sem que eu, que também sou motociclista, experimentasse pessoalmente.

A medida diferente eu botei na roda traseira da Suzuki Intruder 125 que uso no dia a dia. Um pneu apenas um pouco mais largo e, por tabela, com um perfil discretamente mais alto. Se por um lado a moto pareceu um pouco mais macia e deu menos pancadas ao passar por buracos, também ficou mais pesada – inclusive nas curvas – e bebeu mais combustível.

Duas lógicas: mais borracha absorve melhor os impactos, porém pesa mais. Não achei que compensou, até porque o pneu maior foi bem mais caro que o com as medidas originais. Esteticamente fica bonito, mas não compensa o investimento e  desgaste dos periféricos.

Já o pneu de carro experimentei em dois trajetos diferentes, e com calibragens diferentes, a bordo de uma mesma Harley FX emprestada – sempre sobre asfalto seco.

Na primeira vez, com cerca de 38 libras, senti comportamento muitíssimo instável na reta, que exigiu correções demais continuamente. Mas me surpreendi nas curvas, quando não senti nenhuma insegurança.

Na segunda vez, quando passei por uma pequena serra urbana e com 42 libras, senti bem menos instabilidade na reta e a mesma segurança nas curvas. Mas não a ponto de deitar nas curvas como faria se estivesse com um pneu de moto.

Na minha opinião pessoal, não vale a pena trocar. Os pneus de carro na moto podem funcionar bem em situações de uso normal, mas provavelmente não proporcionarão a segurança necessária nos momentos emergenciais, inesperados, quando é preciso ter a máxima performance do conjunto. É como usar uma pastilha de freio mediana no lugar de uma pastilha de freio muito boa: vai funcionar bem no uso normal, mas será que dará conta em uma frenagem de emergência, no susto, ainda mais quando molhada ou em descida de serra? Eu prefiro não arriscar.